Contrarreforma trabalhista: propostas emergenciais

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O prof. Gérson Marques traz reflexões sobre temas que podem ser tratados em uma eventual e urgente alteração da legislação do trabalho para início de 2023, considerando a equipe que integra a fase de transição entre os Governos no plano federal.

Contrarreforma trabalhista: propostas emergenciais

 

Francisco Gérson Marques de Lima
Doutor, Professor da UFC, Suprocurador-Geral do Trabalho, membro da Academia Cearense de Direito do Trabalho e da Academia Cearense de Letras Jurídicas, tutor do GRUPE-Grupo de Estudos em Direito do Trabalho.

 

 

Especula-se sobre uma contrarreforma trabalhista, isto é, a revogação das alterações empreendidas pela Lei nº 13.467/2017, que implementou uma profunda reforma trabalhista no Brasil. A pretendida contrarreforma é animada com a ascensão de um novo Governo, que passará a dirigir o país a partir de janeiro de 2023.

Sabe-se que a eleição do novo Presidente da República se deveu a uma expressiva votação da classe trabalhadora – que perdeu direitos e garantias sociais fundamentais especialmente após 2017. A eleição de um Presidente mais voltado à esquerda do que os dois governos anteriores acende a discussão sobre uma contrarreforma trabalhista, o que fora tema da sua campanha presidencial. Mas, não se pode esquecer que o novo Presidente foi eleito, também, com o apoio de membros da ala empresarial, que, no geral, têm interesse na manutenção da Lei nº 13.467/2017. Então, a Reforma Trabalhista de 2017 não será simplesmente revogada em sua totalidade, como pretendem alguns. Além dos interesses classistas, o Direito do Trabalho tem merecido outras reflexões, que não serão objeto destas considerações.

Tudo indica que as mudanças trabalhistas serão apenas parciais e se dividirão em duas etapas: uma emergencial, logo para o início do mandato; e, outra, para ser realizada mais à frente, talvez paulatinamente, após os diálogos tripartites, acrescentando alguns pontos que precisam ser regulamentados, como o trabalho na indústria 4.0, desempenhado por meio de plataformas eletrônicas e da uberização.

Segundo informações divulgadas pela grande mídia sobre a tendência da equipe de transição, estão sendo considerados fundamentais e emergenciais três pontos para revisão: (a) o regime de trabalho intermitente, uma forma precarizada de trabalho por hora de serviço efetivo (art. 443, CLT); (b) a chamada ultratividade das normas provenientes das negociações coletivas (art. 614, § 3º, CLT), para resgatar a redação anterior e seguir o exemplo da maioria dos países ocidentais; e (c) a autorização para acordos individuais firmados diretamente entre patrões e empregados sem o aval do sindicato da categoria, no caso dos chamados trabalhadores “hipersuficientes” (art. 444, parág. único, CLT).

Essas mudanças, mesmo emergenciais, são tímidas e esquecem pontos essenciais da reforma de 2017, alguns dos quais sequer obtiveram aplicação prática. É preciso inserir nos temas acima, por exemplo, a sobrevivência dos sindicatos e resgatar o seu poder de representação e de negociação coletiva. Isso tem urgência.

Certas mudanças não demandam grandes alterações no texto da legislação vigente e se estabelecem no cumprimento de decisões do Supremo Tribunal Federal.

Nesta toada, apresentam-se as seguintes sugestões que a equipe de transição e as entidades sindicais podem considerar, em seu juízo de conveniência e urgência:

  1. Revogação integral do art. 507-A, CLT, referente à arbitragem para trabalhadores individuais. A previsão legal não vingou na prática, então a revogação é medida que se limita a reconhecer uma realidade fática. Ademais, a experiência do Direito Comparado refuta arbitragem trabalhista em questões individuais, especialmente quando o árbitro é privado.
  2. Revogação integral do art. 507-B, CLT (quitação anual dos créditos trabalhistas). Tirante um ou outro caso isolado, este dispositivo também não logrou aplicação efetiva. Na verdade, um dos fundamentos para sua previsão era a retirada da assistência sindical na rescisão contratual (art. 477, § 1º, CLT), tema que será abordado logo mais, neste mesmo estudo propositivo.
  3. Retorno da assistência na rescisão pelos sindicatos (art. 477, § 1º, CLT). A Lei nº 13.467/2017 revogou o referido § 1º, retirando a necessidade de a rescisão contratual ser assistida pelos sindicatos. Esta medida afastou, ainda mais, os trabalhadores de seus sindicatos, prejudicando a representação e a legitimidade sindicais, ao mesmo tempo em que expôs os empregados aos seus empregadores, mediante acertos de contas não confiáveis e, normalmente, não compreendidas pelos operários, quase sempre jejunos em cálculos trabalhistas e sem forças para negociar os termos da rescisão. Contrária e anteriormente, os sindicatos possuíam serviço de conferência dos cálculos rescisórios e prestavam explicações aos trabalhadores, esclarecendo-lhes as dúvidas. A vantagem para as empresas era que o sistema da CLT proporcionava segurança aos empregadores, minando o sucesso de uma eventual reclamação na Justiça do Trabalho. Sobrevindo a reforma trabalhista de 2017, foram criados dois mecanismos substitutivos: a quitação anual (que não pegou) e a homologação na Justiça de acordos extrajudiciais (que os juízes do trabalho não aceitaram com bons olhos). Considerando esta realidade, calha bem ressuscitar o § 1º do art. 477, CLT, e revogar os dispositivos alternativos implementados pela Lei nº 13.467/2017.
  4. Garantia do acesso à justiça, mediante gratuidade ampla aos trabalhadores necessitados. Este ponto diz respeito aos arts. 790-A e 790-B, CLT, os quais foram objeto de decisão do STF na ADI 5766, apreciada em 20.10.2021, tendo a Corte concluído pela inconstitucionalidade parcial desses dispositivos. Não é socialmente sustentável que trabalhadores pobres tenham que pagar honorários advocatícios sucumbenciais e periciais nem que fique devedor da Justiça por 05 anos. Segundo a Constituição Federal, cabe ao Estado prestar a assistência jurídica integral aos necessitados (art. 5º, LXXIV).
  5. Revogação da previsão de homologação de acordo extrajudicial, em jurisdição voluntária (art. 855-B e segs, CLT). Conforme referido sucintamente há pouco, o legislador revogou o § 1º do art. 477, CLT (assistência sindical na rescisão) e transferiu esta atribuição para a Justiça do Trabalho, em jurisdição voluntária. Sucede que esta função deve ser, primariamente, dos sindicatos profissionais, a quem cabe a defesa imediata dos trabalhadores e o diálogo com os empregadores na rescisão contratual. A Justiça do Trabalho deve receber outras competências e se ocupar de causas mais conflituosas e relevantes, como é o caso do trabalho parassubordinado (ex.: trabalhadores em plataformas digitais).
  6. Custeio sindical: alteração do art. 611-B, XXVI, para permitir a contribuição assistencial a todos da categoria, filiados ou não, mediante o direito de oposição dos não associados, mas com inclusão na norma de que isso se dê mediante negociação coletiva, em valores razoáveis, aprovação em assembleia ampla e democrática e com previsão de transparência na prestação anual de contas aos representados.
  7. Acréscimo ao art. 896-A, § 1º, CLT, para esclarecer melhor o regime da transcendência da causa que possa ser objeto de Recurso de Revista e de Embargos para a SDI-1, no TST, ficando assim os incisos pertinentes:

“§ 1º.  São indicadores de transcendência, entre outros:
I – econômica, o elevado valor da causa, assim consideradas as demandas de importe igual ou superior a 500 (quinhentos) salários-mínimos;
“III – social, a postulação, por reclamante-recorrente, de direito social constitucionalmente assegurado, e as demandas de natureza coletiva.

Da forma como os dispositivos se encontram grafados atualmente, os recursos de Revista e de Embargos, no TST, recebem interpretação com uma carga de subjetividade muito ampla. A interpretação da jurisprudência emanada das Turmas do TST sobre o que seja “elevado valor da causa” e sobre “direito social constitucionalmente assegurado” é eivada de insegurança, divergências e elevado grau de subjetividade. E a SDI-1 não consegue uniformizar a contento estas interpretações. Na prática, os requisitos caracterizadores da transcendência favorecem a recursividade mais das grandes empresas e grupos econômicos do que as demandas dos trabalhadores, dos sindicatos e do Ministério Público, mesmo quando defendam interesses coletivos ou públicos. Porém, não é razoável que ações coletivas sejam entendidas como desprovidas de interesses sociais relevantes.

A Emenda Constitucional nº 125/2022 acrescentou os §§ 2º e 3º ao art. 105 da CF/88, criando o critério da relevância (um tipo de transcendência recursal) como pressuposto para a interposição de Recurso Especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Contrariamente dos termos abstratos utilizados pelo art. 896-A, § 1º, da CLT, que possibilitam interpretações subjetivas, a EC 125/2022 cuidou de critérios mais claros e objetivos. Por exemplo, definiu modalidades de demandas que, por si sós, apresentam relevância (a transcendência da CLT), como as ações penais e as ações de improbidade administrativa. E fixou que também são consideradas relevantes as ações cujo valor da causa ultrapasse 500 (quinhentos) salários mínimos. Esta inteligência pode ser aplicada ao Processo do Trabalho, o que serviria, inclusive, para uniformizar a sistemática recursal no Brasil, além de minimizar o subjetivismo e a claudicância da atual jurisprudência trabalhista.

  1. Estímulo efetivo à negociação coletiva. A reforma trabalhista de 2017 apregoou a prevalência do negociado sobre o legislado, mas, na prática, não incentivou a negociação coletiva e enfraqueceu os sindicatos profissionais, gerando desequilíbrio entre os atores sociais. É preciso que se estruture melhor os processos negociais, prevendo o dever de negociar, mais transparência por parte das empresas, a ultratividade e sujeitando mais matérias à negociação, além de estabelecer alguns pontos que, obrigatoriamente, devam conter nos acordos e convenções coletivas, como a pauta de acesso ao mercado de trabalho por deficientes, igualdade de gênero, proibição de discriminação, combate ao assédio, proteção à saúde e segurança etc. Tudo isso sem esquecer os limites do que possa realmente ser negociado, respeitando interesses públicos e direitos indisponíveis.
  2. Estruturação do Ministério do Trabalho. Sucateado e desestruturado, o Ministério do Trabalho precisa ser repensado e fortalecido. Afinal, o que se quererá da fiscalização do trabalho e das funções deste órgão? Espera-se que um governo trabalhista revigore e empodere o Ministério encarregado das relações de trabalho. Então, rever e aperfeiçoar suas atribuições, reorganizar seus órgãos internos, estabelecer a política de cargos, realizar concursos públicos, propiciar seu protagonismo no mundo do trabalho e reestruturá-lo são medidas essenciais e urgentes, a fim de que o Governo inicie suas funções com um Ministério forte, aparelhado, amadurecido e competente.
  3. Por fim, conquanto se tenha por admitida a terceirização no Brasil, fato consumado por decisões do STF, cabe definir melhor a condição do trabalhador terceirizado, sobretudo nas quarteirizações e quinteirizações. Seus salários e a proteção no trabalho devem ser o mais próximo possível dos trabalhadores efetivos, a fim de assegurar o princípio da igualdade e da isonomia, princípios constitucionais que precisam ser observados nas relações laborais.

Estas são mudanças e adequações emergenciais, que não podem esperar mais tempo, sem prejuízo de outras necessárias no campo do Direito do Trabalho, a envolver, por exemplo, a acessibilidade no emprego, as competências da Justiça do Trabalho, a reestruturação do sistema sindical, o banco de horas, a jornada 12×36 etc.

Veremos como a equipe de transição pensará, agora que um grupo de centrais sindicais passou a integrá-la. Mas, com certeza, a CLT será mexida, mesmo que não haja uma contrarreforma trabalhista ampla. Dentro do mínimo razoavelmente esperado de um Governo cuja eleição se deveu muito à classe trabalhadora, são estas as sugestões que ora se indicam.