Na saga das decisões do STF no recurso de Embargos de Declaração no ARE 1018459 (tema 935), que trata da cobrança de taxa assistencial pelos sindicatos profissionais a todos os trabalhadores, filiados e não filiados, saiu mais um voto que favorece a pretensão do sindicato, no dia 31.08.2023. Agora, foi a vez do Min. Alexandre de Moraes, que acompanhou o novo voto do Relator, Min. Gilmar Mendes, o qual, por sua vez, acompanhara o voto divergente do Min. Roberto Barroso. Também votaram pela nova interpretação os Ministros Edson Fachin e Carmen Lucia. Assim, são 06 votos favoráveis à contribuição aprovada em assembleia e objeto da negociação coletiva, respeitado o direito de oposição dos não filiados. Nesta toada, a Corte está considerando que o caso é um distinguishing da Súmula Vinculante 40, sobre contribuição confederativa.
Os votos podem ser encontrados no portal do STF: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5112803
Enquanto muitos sindicatos, inclusive patronais, estão comemorando o placar e já emitindo as cobranças aos filiados e não filiados, algumas considerações precisam ser feitas. As palavras de ordem devem ser cautela e paciência.
Primeiramente, esclareça-se que a decisão do STF ainda não está concluída. O Plenário Virtual só se encerrará no dia 11.09.2023. Até o último momento, o cenário pode mudar e novas vistas podem ser pedidas. Então, é preciso ter paciência e não antecipar cobranças, até que o acórdão final seja publicado, quando se poderá verificar em quais termos realmente se expressará. Eventuais omissões e contradições, por exemplo, ainda poderão desafiar novos Embargos de Declaração.
A prudência recomenda que não sejam adotadas providências precipitadas que possam ensejar um repensar na janela que se abre para a sobrevivência sindical.
O STF assegura o direito de oposição dos não filiados à taxa assistencial. Por um lado, admite a cobrança a todos da categoria; por outro, estabelece o direito de oposição pelos não filiados. Assim, busca o equilíbrio na matéria. Não falou de valores, mas a razoabilidade é que ditará quanto poderá ser cobrado. É bom não exagerar.
Todavia, os votos ainda deixam dúvidas, especialmente quanto à forma e momento em que deva ocorrer a oposição à cobrança da taxa pelos não filiados. Os sindicatos profissionais defendem que seja feita em assembleia, enquanto as empresas defendem que possa ser dar dentro de certo prazo, fora da assembleia, individualmente, como determinado pela CLT. O voto do Min. Roberto Barroso menciona, por alto, oposição em assembleia, o que não consta dos votos dos demais Ministros nem da tese final, levando a crer que este ponto não foi debatido internamente no Tribunal.
Esta questão é fundamental aos sindicatos, porque a oposição em assembleia traz segurança na cobrança, mas, por outro lado, requer ampla democracia na convocação e na realização das assembleias, além de correr o risco de, na prática, ter-se o retorno do imposto sindical de forma disfarçada.
Um entrave prático é que os sindicatos nacionais e estaduais, por exemplo, possuem dificuldades naturais em permitir que trabalhadores compareçam às suas assembleias, tendo de se deslocar de suas localidades para manifestar sua vontade numa mesma data e horário em outra cidade, o que poderia prejudicar o funcionamento das empresas suas empregadoras ou ser impedidos de se deslocarem. Além do que os sindicatos com grande número de membros na categoria (ex.: comerciários, pessoal de processamento de dados…) poderiam encontrar dificuldade em realizar assembleias gerais presenciais nas quais as oposições possam ser manifestadas, ante a inviabilidade de comparecimento de todos da categoria e de espaço físico suficiente. De todo modo, a realização de várias assembleias sucessivas, mormente nas localidades onde haja membros da categoria, e/ou a permissão para participação telepresencial poderiam contornar estes problemas.
A fixação de um prazo para manifestação individual foi a tese levada ao STF, no processo em epígrafe, desde o início. Em boa técnica processual, não é possível fugir deste leito argumentativo, de fixação da lide. Considerando a jurisprudência consagrada anteriormente, é razoável a interpretação que admita a oposição individual ao sindicato em até 15 ou 30 dias do registro da Convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho (fato devidamente informado à categoria). Mas o STF nada disse a respeito. Certamente esta omissão suscitará novos Embargos Declaratórios e, até seu julgamento, muita discussão no meio sindical.
Outro aspecto a considerar é que a decisão do STF não possui efeitos retroativos. Então, os processos judiciais em curso prosseguirão, mesmo que possam sofrer influxo hermenêutico em razão do precedente do STF, na data da prática do ato específico.
Não haverá cobrança de atrasados ou de parcelas cujo prazo de exigibilidade já se escoou. Os instrumentos coletivos já concluídos e em vigor poderão receber aditivos, para permitirem a cobrança daí em diante – mas, sob o ponto de vista ético, não é a melhor medida. Os instrumentos não mais vigentes, obviamente não podem ser exigíveis, regra que se aplica às cláusulas de contribuições. Nas próximas negociações coletivas, o tema poderá ser tratado normalmente, como ocorria antes da reforma sindical de 2017. Quanto a instrumentos que previam a contribuição, mas que a oportunidade de cobrança já se encerrou (ex.: parcela que deveria ter sido paga em março ou abril/2023), não será possível reabertura de prazo em detrimento do devedor/contribuinte. Porém, as parcelas que ainda estejam pendentes, após a publicação do acórdão, poderão ser cobradas e exigidas dos filiados e dos não filiados (respeitado o direito de oposição).
O voto do Min. Roberto Barroso formula a seguinte tese: “É constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição”. Em sua fundamentação, consta o seguinte trecho do voto:
“20. A fim de evitar os efeitos práticos indesejados resultantes do enfraquecimento da atuação sindical e, ao mesmo tempo, preservar a liberdade de associação do trabalhador, é possível garantir o direito de oposição como solução alternativa.
21. Trata-se de assegurar ao empregado o direito de se opor ao pagamento da contribuição assistencial. Convoca-se a assembleia com garantia de ampla informação a respeito da cobrança e, na ocasião, permite-se que o trabalhador se oponha àquele pagamento. Ele continuará se beneficiando do resultado da negociação, mas, nesse caso, a lógica é invertida: em regra admite-se a cobrança e, caso o trabalhador se oponha, ela deixa de ser cobrado.”
Portanto, não está clara a forma nem o momento da oposição pelos não filiados. É açodado o entendimento de que a Corte já tenha fixado que a oposição se dê em assembleia. Aliás, ao que parece, a tendência é admitir que a oposição seja pela via individual, a fim de manter coerência com o decidido na ADI 5794. Mas, aguardemos como o STF definirá.
As decisões do STF tomadas em Recurso Extraordinário com repercussão geral, como é o caso, são questionadas quanto à sua abrangência (se erga omnes ou intraprocessual) e vinculação. Predomina o entendimento, no entanto, de que só vinculam os órgãos do Judiciário. E que tais julgados servem de parâmetro orientativo a todos os novos julgamentos da Justiça.
As considerações acima levam em conta a aplicação da decisão no tempo e seus efeitos, considerando a atual redação dos votos disponíveis no site do STF. Nada impede, porém, que a Corte, no arremate do julgamento, trate das questões cruciais e proceda a determinadas modulações.
Várias mídias estão anunciando que a decisão do STF ressuscita o imposto sindical.Também já tivemos oportunidade de rebater este maldoso entendimento, que induz a população e os trabalhadores a erro: https://www.excolasocial.com.br/o-stf-e-a-contribuicao-assistencial-dos-sindicatos/.É preciso que os sindicatos expliquem aos membros de sua categoria o que, de fato, é a contribuição assistencial, conscientizando-os da relevância política da referida taxa. No imposto sindical, não há direito de oposição; na taxa negocial este direito é assegurado, desde que exercido no prazo e sem coação das empresas ou de quem quer que seja. Essa taxa decorre das negociações coletivas e são descontadas em folha, nos termos dos instrumentos coletivos de trabalho.
Quando ao julgamento do ARE 1018459 (tema 935), é possível que o STF estabeleça algumas modulações em seu julgado, inclusive quanto a situações pretéritas, as consolidadas e as correntes.
Sobre as cautelas que os sindicatos precisam ter e as consequências do julgamento favorável pelo STF, convidamos o leitor e a leitora a ler artigo intitulado “O STF e a contribuição assistencial dos sindicatos”, neste mesmo site, pelo link https://www.excolasocial.com.br/o-stf-e-a-contribuicao-assistencial-dos-sindicatos/.
No mais, a sugestão é que os sindicatos se contenham até a conclusão final do julgamento referido e ajam com responsabilidade (política, sobretudo) na aplicação do novo entendimento do STF.
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Gérson Marques (Doutor, Professor Associado da UFC, Subprocurador-Geral do Trabalho)